PlantaeTec
O papel da cutícula na proteção de plantas a estresses
Atualizado: 10 de fev. de 2021
Dr. João Paulo Rodrigues Marques, Laboratório de Instrumentação Nuclear, CENA, USP.
Biólogo, Doutor em Fisiologia e Bioquímica de Plantas, Pós Doutor pelo Departamento de Genética da ESALQ e do CENA
email: joaoanatomia@gmail.com
A cutícula é uma camada lipofílica presente na epiderme de órgãos em fase primária do crescimento. Folhas são órgãos com grande plasticidade fenotípica e que apresentam cutícula persistente ao longo de todo o desenvolvimento do órgão. As espécies vegetais apresentam diferentes morfologias da cutícula que possuem uma vasta composição química que podem ser mais ou menos responsiva a determinado estresse, garantindo a resistência dos tecidos foliares ao estresse. Um caso que destaca a importância da cutícula na resistência ao estresse foi publicado em 2019 por Santos et al., na Revista Frontiers in Plant Science quando os autores identificaram que a composição química da cutícula é variável dentre diferentes espécies de eucalipto que possuíam variabilidade nos níveis de susceptibilidade e resistência à ferrugem (Austropuccinia psidii). Análises ao microscópio eletrônico de varredura possibilitaram agrupar as diferentes espécies de acordo com sua morfologia em três grupos, porém as espécies também divergiram quanto a composição química. Os autores demonstraram que o ácido hexadecanoico está presente em Eucalyptus grandis e Eucalyptus phaeotricha e ausente em espécies resistentes. Os autores ainda demostraram que o ácido hexadecanoico induz a germinação de A. psidii e que sua ausência inibe a germinação do fungo. Esse estudo demonstra que a composição química da cutícula pode atuar como um fator determinante na resposta à infecção fúngica.
No exemplo anterior ficou claro que a composição da cutícula influencia diretamente interação da planta-patógeno e consequentemente nas respostas aos estresses. Porém, além de reconhecer sua importância na prevenção a estresses por ser uma barreira constitutiva, deve-se interpretar que a cutícula não é estática e respostas induzidas (ou pós-formadas) são comuns. Um exemplo de resposta pós-formada foi demonstrado por Marques e colaboradores em 2016 ao estudar o efeito do fungo Colletotrichum acutatum sob a epiderme de pétalas de laranjeira doce (Citrus sinensis). Nesse estudo, por meio de análise ultraestruturais foi investigado que a presença do fungo induz, ao longo do tempo, intensas modificações no sistema de endomembrana ( dictiossomos, retículo endoplasmático rugoso e liso) e plastídeos (leucoplastos) das céulas epidérmicas desafiadas pelo fungo. Ao longo dos dias (3-5 dias) ocorreu uma transição do padrão estriado da cutícula para a destacamento de placas de cera e espessamento parietal. O fungo penetra majoritariamente pela parede anticlinal de duas células contíguas e a formação de placas de cera na cutícula inviabiliza a manutenção da topografia das células epidérmicas. Esse fato pode ser diretamente associado à redução de novas infecções nos setores da pétala com alterações cuticulares.
Os exemplos acima descritos exemplificam como a cutícula é versátil em sua resposta ao ambiente. Devido à localização, a cutícula é considerada a interface entre as células epidérmicas e o exterior, sendo barreira essencial a ser investigada quando estima-se entender possíveis respostas de resistência a estresses biótico e a bióticos.

Figura 1. Secção transversal de pétala de Citrus sinensis corada com Calcolfuor white (azul) para detecção da celulose e Nile red (vermelho) para detecção de compostos lipofílicos presentes da cutícula.
Referências
MARQUES, J. P. R.; AMORIM, L.; SPÓSITO, M. B.; APPEZZATO-DA-GLÓRIA, B. 2016. Ultrastructural changes in the epidermis of petals of the sweet orange infected by Colletotrichum acutatum. Protoplasma - DOI: 10.1007/s00709-015-0877-3.
SANTOS, I.B.; LOPES, M.S.; BINI, A.P.; TSCHOEKE, B.A.P.; VERSSANI, B.A.W.; FIGUEIREDO, E.F.; CATALDI, T.R.; MARQUES, J.P.R.; SILVA, L.D.; LABATE, C.A.; QUECINE, M.C. 2019. The Eucalyptus Cuticular Waxes Contribute in Preformed Defense Against Austropuccinia psidii. Frontiers in Plant Science DOI: 10.3389/fpls.2018.01978