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Alimentos biofortificados no combate à desnutrição
Atualizado: 16 de mar. de 2021
Maria Gabriela Dantas Bereta Lanza, Engenheira de Biossistemas formada pela Faculdade de Ciências e Engenharia (FCE/UNESP) e Mestranda em Agronomia (Produção Vegetal) pela Faculdade de Ciências Agrarias e Veterinárias (FCAV/UNESP)
maria.dantas@unesp.br
Alimentos biofortificados: contribuição da pesquisa brasileira para o fim da desnutrição no mundo
Você já imaginou se fosse possível ver em cada refeição que realizamos todos os nutrientes que os alimentos possuem? Será que aquele prato de feijão com arroz que tem gostinho de comida de mãe teria os inúmeros íons de ferro, potássio, fósforo, cálcio e zinco que nos é prometido pelos comerciantes? Ou melhor, se realmente soubéssemos os componentes nutricionais da nossa alimentação, será que o nosso ‘’healthy lifestyle’’ seria maior do que o valor dos alimentos, e nos tornaríamos compradores mais exigentes em relação aos produtos fornecidos?
Para responder todas essas perguntas, basta analisar o cenário global, e perceber que a palavra ‘’desnutrição’’ que parece distante da maioria dos lares, é na verdade um conjunto de fatores que está presente no nosso dia-a-dia. De acordo com o Relatório sobre o Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo, uma em cada dez pessoas no mundo são expostas a níveis graves de insegurança alimentar, que é a falta de acesso físico, social e econômico a alimentos que atendam às necessidades dietéticas do metabolismo humano (FAO, 2020).
Tal problema é realçado pelos sistemas agrícolas que visam apenas o aumento da produção de alimentos, e não na qualidade dos produtos alimentares, ocasionando o fenômeno de fome oculta (Van Der Straeten et al., 2020). A fome oculta é formada pelo consumo de alimentos que suprem o metabolismo em energia, mas não atendem as necessidades nutricionais para manter as funções vitais do corpo humano, resultando em diversas patologias relacionadas principalmente ao sistema autoimune, cardiovascular, e neurológico (Eggersdorfer et al., 2018).
Além do prejuízo na saúde humana, até a economia dos países sofre perdas com tratamentos médicos que poderiam ser evitados com uma alimentação adequada. Um exemplo é a distribuição de mais de 10 bilhões de cápsulas de vitamina A nos últimos vinte anos, com um custo médio de US$ 10-15 bilhões, para reduzir a mortalidade crianças em idade pré-escolar (Imdad et al., 2017). Além disso, estima-se que 3% do PIB global seja atingido pela baixa produtividade dos contribuintes ocasionada pelas deficiências de nutrientes, como ferro, zinco e selênio, custando um prejuízo médio de US$ 1,4-2,1 trilhões por ano a economia (FAO, 2017; Grebmer et al., 2017; The World Bank, 2006).
Como forma de mitigar esse problema recorrente, cientistas do mundo todo estão aplicando a técnica de biofortificação agronômica para aumentar o conteúdo nutricional nas partes comestíveis das culturas. A biofortificação baseia-se no uso das variações genotípicas no melhoramento de plantas visando à obtenção de produtos agrícolas alimentares com maiores teores de nutrientes e vitaminas, e pode ser feita por meio de técnicas convencionais ou com o uso de ferramentas da engenharia genética (Nutti et al., 2010).
Nesse sentido, a HarvesyPlus é uma aliança global interdisciplinar de mais de 400 instituições científicas e agências de implementação que visa fomentar pesquisas e distribuir alimentos biofortificados para os países emergentes. O Brasil é um destaque nesse projeto, sendo o país com o maior número de culturas em potencial para a biofortificação, como: feijão comum, feijão-caupi, arroz, milho, mandioca, trigo e batata doce (HarvestPlus, 2021).
Dentro do programa, já são descritos cultivares de batata doce com altos níveis de pró-vitamina A (β-Caroteno), que foram amplamente difundidas para a África. Na índia, crianças matriculadas no ensino médio foram beneficiadas em suas refeições com milho contendo altos teores de ferro, contribuindo para a redução das deficiências nessa faixa etária. Além disso, cultivares de trigo com zinco se destacaram entre os produtores rurais do Paquistão. E o arroz biofortificado com selênio também é de grande interesse para países da Ásia, como a China . Estudos também demonstram a redução de fitato em feijão-caupi pela aplicação de selênio (Cakmak, 2012; HarvestPlus, 2021; Reis et al., 2018; Silva et al., 2019) .
Um trabalho desenvolvido na Faculdade de Ciências e Engenharia (UNESP) em parceria com Centro de Energia Nuclear na agricultura (CENA, USP) e a Universidade de Nottingham constatou que a aplicação de baixas doses de selênio em feijão-caupi é eficiente para suprir as necessidades humanas, além de melhorar parâmetros agronômicos, como: pigmentos fotossintéticos, açúcares e produtividade (Figura 1). Os resultados descritos foram determinados por meio da espectrometria de fluorescência de raios X, uma das técnicas mais inovadoras na detecção de nutrientes minerais, e fornece subsídios para melhorar a alimentação de cerca de cerca de 25 milhões de pessoas no nordeste do Brasil que consomem feijão-caupi diariamente (Lanza et al., 2020).

Figura 1. Assessment of selenium spatial distribution using μ-XFR in cowpea (Vigna unguiculata (L.) Walp.) plants: Integration of physiological and biochemical responses. DOI: 10.1016/j.ecoenv.2020.111216
Desta forma, percebe-se que embora não possamos ver a olho nu os nutrientes dos alimentos, podemos aprimorar nossas exigências como consumidores para evitar a fome oculta em nossa sociedade. E é de grande importância destacar que possuímos as ferramentas necessárias para essa mudança de comportamento. O Brasil é um dos líderes nos estudos de biofortificação, oferecendo diversidade de alimentos com alto potencial de melhoramento convencional e genético, além de material humano e centros especializados capazes de conduzir as pesquisas e torna-las aplicáveis no mundo todo.
Referências
Cakmak, I., 2012. HarvestPlus Zinc Fertilizer Project: HarvestZinc. Better Crop. 96, 17–19.
Eggersdorfer, M., Akobundu, U., Bailey, R.L., Shlisky, J., Beaudreault, A.R., Bergeron, G., Blancato, R.B., Blumberg, J.B., Bourassa, M.W., Gomes, F., Jensen, G., Johnson, M.A., Mackay, D., Marshall, K.,
Meydani, S.N., Tucker, K.L., 2018. Hidden hunger: Solutions for America’s aging populations. Nutrients. https://doi.org/10.3390/nu10091210
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Imdad, A., Mayo-Wilson, E., Herzer, K., Bhutta, Z.A., 2017. Vitamin A supplementation for preventing morbidity and mortality in children from six months to five years of age. Cochrane Database Syst. Rev. 2017. https://doi.org/10.1002/14651858.CD008524.pub3
Lanza, M.G.D.B., Silva, V.M., Montanha, G.S., Lavres, J., Pereira de Carvalho, H.W., Reis, A.R. dos, 2020. Assessment of selenium spatial distribution using μ-XFR in cowpea (Vigna unguiculata (L.) Walp.) plants: Integration of physiological and biochemical responses. Ecotoxicol. Environ. Saf. 207, 111216. https://doi.org/10.1016/j.ecoenv.2020.111216
Nutti, M.R., Carvalho, J.L.V. De, Watanabe, E., 2010. A biofortificação como ferramenta para combate a deficiências em micronutrientes. Embrapa Agroind. Aliment.
Reis, H.P.G., Barcelos, J.P. de Q., Junior, E.F., Santos, E.F., Silva, V.M., Moraes, M.F., Putti, F.F., Reis, A.R. dos, 2018. Agronomic biofortification of upland rice with selenium and nitrogen and its relation to grain quality. J. Cereal Sci. 79, 508–515. https://doi.org/10.1016/j.jcs.2018.01.004
Silva, V.M., Boleta, E.H., Martins, J.T., dos Santos, F.L.M., da Rocha Silva, A.C., Alcock, T.D., Wilson, L., de Sá, M.E., Young, S.D., Broadley, M.R., White, P.J., dos Reis, A.R., 2019. Agronomic biofortification of cowpea with selenium: effects of selenate and selenite applications on selenium and phytate concentrations in seeds. J. Sci. Food Agric. 99, 5969–5983. https://doi.org/10.1002/jsfa.9872
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Van Der Straeten, D., Bhullar, N.K., De Steur, H., Gruissem, W., MacKenzie, D., Pfeiffer, W., Qaim, M., Slamet-Loedin, I., Strobbe, S., Tohme, J., Trijatmiko, K.R., Vanderschuren, H., Van Montagu, M., Zhang, C., Bouis, H., 2020. Multiplying the efficiency and impact of biofortification through metabolic engineering. Nat. Commun. 11, 1–10. https://doi.org/10.1038/s41467-020-19020-4